
Depois do sucesso de “O Despertar da Primavera”, agora o público carioca vai descobrir os encantos de outro texto clássico do alemão Frank Wedekind. “Caixa de Pandora – Lulu” é
“Devassa”, montagem da Cia. dos Atores no Mezanino do Espaço Sesc, em cartaz até o dia 1º de agosto. O atual espetáculo traz ao palco pela primeira vez a versão sem cortes do texto que sofreu com a censura no século XIX. Para dirigir a peça, a Cia. convidou Nehle Franke, diretora alemã radicada na Bahia. Foi por intermédio dela que o manuscrito de Wedekind, escrito entre 1892 e 1894, chegou às mãos de Marcelo Olinto, um dos atores da Cia. A versão original, publicada na Alemanha somente um século depois, em 1988, foi encontrada pelo pai de Nehle, que é livreiro e mora no país. O novo projeto conta com a participação de Alexandre Akerman, Marina Vianna e Pedro Brício, atores convidados que se juntam em cena à Bel Garcia, César Augusto e Marcelo Olinto, da Cia. dos Atores.
A ideia de trazer a montagem inédita ao Brasil partiu de Olinto, que estuda “A Caixa de Pandora – Lulu” desde 1996, quando fez um curso de teatro com Paulo Reis. O ator sempre enxergou no texto ricas possibilidades de encenação e ficou muito animado quando pode, finalmente, estrear o espetáculo: “Fiquei muito feliz quando me deparei com a história sem maniqueísmos, muito mais rascante, mais rica, sem censura. Nessa versão, a Lulu não é julgada, ela vai vivendo o que a vida lhe oferece”.
Outro fator que sempre fascinou Marcelo no texto de Frank Wedekind é a atemporalidade dos temas abordados, que atravessou os séculos e se mantém contemporânea até hoje. Assuntos como moral, ambição, sexo, família e o poder da imprensa na sociedade nunca sairão de moda. A obra, dividida em cinco atos (os três primeiros se passam na Alemanha, o quarto em Paris e o quinto em Londres), é muito extensa para ser encenada em sua totalidade. Por isso, foi preciso editar o texto e deixar em cena o que mais importava. De acordo com Marcelo, o processo de edição, que durou quatro meses, permitiu que fosse levado ao palco apenas o essencial, o concentrado do texto, como em um perfume.
Chamar Nehle Franke para a direção do espetáculo foi uma ideia que ganhou corpo pouco a pouco, à medida que os caminhos da Cia. e da diretora se cruzavam em diversos festivais Brasil afora. As afinidades percebidas deram ao grupo a certeza de que a alemã-baiana seria a pessoa perfeita para assumir o novo desafio. Além disso, Nehle já desenvolvera intimidade com o texto de Wedekind, comumente encenado em seu país: “Trabalhar com ela foi uma experiência muito rica. Nehle colocou a identidade dela no trabalho, mas teve a generosidade de ouvir nossos desejos e misturar tudo. É como se dois rios se encontrassem e passassem a andar no mesmo curso”, compara Olinto. Entre os mais recentes trabalhos de Franke, destacam-se “Murmúrios” (2005), "Roberto Zucco” (1998) e “Divinas Palavras” (1997), espetáculos premiados e que participaram de festivais Brasil afora. Desde 1996, Nehle vive em Salvador, onde criou, em 2008, o Festival Internacional de Teatro da Bahia, do qual é curadora e coordenadora.
Marcelo Olinto é também o responsável pelos figurinos de “Devassa”. Marina Vianna, que interpreta Lulu, veste roupas verdes. Segundo Olinto, o autor cita a cor ao longo do texto, sempre com o significado de pureza. Os demais personagens usam figurinos pretos contrastando com cores vibrantes, como o laranja, por exemplo. Já os cenários, idealizados por Aurora dos Campos, fazem referência ao universo hospitalar, frigorífico e necrotérios. O piso é feito por um mármore falso, que lembra tanto um frigorífico quanto um salão nobre.
Formada há 22 anos no Rio de Janeiro pelos atores Bel Garcia, Drica Moraes, César Augusto, Gustavo Gasparani, Marcelo Olinto, Marcelo Valle e Susana Ribeiro junto com o diretor e ator Enrique Diaz, a Cia. dos Atores mantém a mesma formação desde então. Sem medo de interferir na estrutura do espetáculo, a companhia tem como uma de suas características reciclar textos, assim como já havia feito em “Ensaio.Hamlet”, subversão da obra de Shakespeare, encenada em 2004.