domingo, 3 de outubro de 2010

Entrevista: Filme sobre Jim Morrison levou Eriberto Leão a se tornar ator

Não dá para dizer que 2010 tem sido um ano qualquer na vida do ator Eriberto Leão. Ele estreou no carnaval carioca como Dom Quixote pela União da Ilha, encenou pela segunda vez a Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, levou o prêmio de melhor ator no "Melhores do Ano" do Domingão do Faustão, está na nova série de Daniel Filho, As Cariocas, acaba de filmar "Assalto ao Banco Central" de Marcos Paulo e se prepara para dois grandes desafios: seu primeiro protagonista em uma novela das oito, e de Gilberto Braga, e o papel de pai - o filho do ator nasce no ano que vem -. E olha que o ano ainda nem terminou!

Eriberto, que se autodefine como um homem com muitas ideias, é um idealista que não tem medo de beber na fonte de suas influências, que vão desde Jim Morrison até Glauber Rocha, passando por Jesus Cristo e Jung, por exemplo, até aqueles que influenciaram seus ídolos. Com o capacete da moto na mão e cheio de ideias na cabeça - ou como ele mesmo diz, no coração - o ator chegou para o nosso bate-papo em uma livraria carioca e contou que aposta na atuação com paixão e que um mundo melhor ainda é possível sim. E é isso que ele pretende mostrar no documentário "Aos Brasileiros", um projeto - e missão pessoal - ainda em fase de realização.

Esse ano está sendo um ano bem movimentado para sua carreira. Você já conseguiu concluir seu documentário?

Eriberto Leão: Não consegui acabar esse ano por conta desse monte de coisa, falta muito pouquinho, mas eu não consegui entrar num território específico, que é o que eu preciso para arrematar o filme. Então, acredito que não é a hora de terminá-lo e também não sei se eu vou conseguir fazer essa viagem durante a novela. É bem provável que não. Mas está pré-montado e nessa fase final. O filme se chama "Aos Brasileiros", que é a tentativa de um cidadão, e não de um cineasta, de um ator. Sou eu e uma câmera na mão, mostrando algo que os brasileiros não conhecem e que eu também vou descobrindo junto com o filme.

Como surgiu a ideia do filme?

Eriberto Leão: Foi quando eu visitei o túmulo do Glauber Rocha para fazer Sinhá Moça. É interessante essa história... O meu personagem declamava Castro Alves, era um abolicionista e tinha muito de Castro Alves, então eu me baseei nele. Fui para a Bahia, fiz uma peregrinação por todos os lugares que Castro Alves havia passado. Eu também gosto muito de Glauber, mas nunca tinha percebido uma conexão tão clara entre os dois, a não ser o fato de os dois serem baianos, terem espírito revolucionário e etc. Mas ambos nasceram no mesmo dia e Glauber dizia que morreria aos 24 anos porque Castro Alves tinha morrido com nessa idade, só que o Glauber morreu aos 42. Aí eu fiz toda essa correlação. Quando eu visitei o túmulo do Glauber Rocha, tive um insight e o filme tem tudo a ver com Glauber Rocha e o mito que diz que o Brasil vai ser o farol do mundo. E isso nada mais é do que: podemos ser muito mais do que somos. E pela nossa capacidade economica e de recursos naturais, nós podemos ser o farol do mundo sim. Sou muito ligado às questões ambientais e acredito piamente que se o Brasil buscasse um novo sistema, e cuidasse dos nossos recursos naturais, a gente seria esse farol, porque imitar os países ricos, que destruíram tudo para crescer economicamente, é muito pior do que os países ricos fizeram, porque eles já fizeram, já viram que deu errado e a gente está repetindo isso. Mas Glauber é visto como um sonhador, como um cara que beirou a loucura, mas ele era um homem extremamente politizado, interessado nas reais necessidades do país e foi a minha fonte de inspiração.

Você falou que para seu personagem em Sinhá Moça fez uma peregrinação na Bahia para se aproximar de Castro Alves. Esse é uma espécie de ritual seu para entrar no personagem?

Eriberto Leão: A cada papel que eu faço, eu desenvolvo uma metodologia de construção para esse personagem e que sempre começa por uma viagem. Fiquei três meses por minha conta no Mato Grosso para o Zeca de Paraíso, em Sinhá Moça fui para Bahia, já para o próximo - personagem da próxima novela das oito - o importante não são os lugares para onde eu vou, mas como eu fui para os lugares: de avião. Como ele é um piloto, eu voei bastante.

Quando e como decidiu que queria ser ator?

Eriberto Leão: Comecei um curso de teatro aos 12 anos no Dante Alighieri, em São Paulo, mas fazia mais por farra, não imaginava que seria ator. Quando eu descobri o The Doors com o filme do Oliver Stone, eu me apaixonei pelo Jim Morrison. Aí eu fui buscar os mestres dele, os livros que ele lia. Ele era um grande literato. Com ele, descobri William Blake, Nietzsche, o movimento da contracultura americana, os beatniks e essa necessidade de você expressar sua visão de mundo pela arte. Então, eu me transformei em ator aos 18 anos para poder me expressar. O Morrison buscava tudo isso, me alimentei muito dele. Eu sempre mergulho muito nas coisas, escuto a mesma música centenas de vezes até não aguentar mais, leio o mesmo livro duas vezes e então estudei muito a vida dele. Eu nunca o vi como uma pessoa que buscava a autodestruição.

Na época você pensava em se expressar através do teatro então.

Eriberto Leão: Eu comecei no teatro sim, fiz a escola de Artes Cênicas na USP, consegui passar no vestibular, que é bastante difícil e quando eu terminei o curso, fui estudar nos EUA, fiquei lá por dois anos e estudei o famoso "método" americano - técnica onde o ator procura desenvolver em si mesmo os pensamentos e emoções da personagem -, criado por Lee Strasberg. Quando voltei, fui acompanhar um amigo meu num teste para uma minissérie religiosa, "Antônio dos Milagres". O diretor me viu, me deu um texto, fiz o teste e acabei passando para ser o protagonista, Santo Antônio. Então, me apaixonei pela televisão também. Isso foi em 1996, no ano seguinte, eu estreei na Rede Globo em O Amor Está no Ar, como o extraterrestre João e vim morar no Rio de Janeiro. Depois fiz alguns pequenos trabalhos na televisão e muito teatro. Foram 8 peças até hoje.

Seu foco sempre foi o teatro. Tinha algum preconceito com a TV ?

Eriberto Leão: Acho que não há o menor problema em você fazer teatro e televisão. Mas tem uma coisa: se você não se apaixonar pelo teatro, você não é um ator, está buscando outra coisa. Você pode até ser um ator que não faça teatro, mas desde o momento em que você faz uma escola de teatro e não se apaixona por ele, tem algo errado ali. Às vezes, a vida te leva e você não consegue fazer - sem contar a Paixão de Cristo, eu estou distante do teatro há 3 anos já -, mas a paixão por interpretar é que faz o ator. Quando eu fiz Cabocla, Tony Ramos disse uma coisa pra mim, que eu nunca esqueci e nunca havia pensado: "A vocação é mais importante do que o talento". Acho que o teatro te coloca muito à prova disso. O teatro é pedra pra moer, quando você é jovem, não ganha nada, varre o palco, é contra-regra, faz seu próprio figurino e praticamente paga para trabalhar, mas faz pela paixão. No início da minha carreira, eu não tinha muito preocupação se iria ou não fazer televisão, eu queria era atuar. Eu só comecei a pensar no dinheiro mesmo, depois dos meus trinta anos.

E a encenação da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém? Deve ser uma experiência bastante diferente dos palcos tradicionais.

Eriberto Leão: É única. É o maior teatro a céu aberto do mundo, com uma das maiores histórias de todos os tempos, um misto de espetáculo com peregrinação religiosa. Eles construíram uma réplica de Jerusalém, os cenários todos são em tamanhos verdadeiros e a encenação reúne 12 mil pessoas. É uma coisa grandiosa. Diria que é um lugar muito mágico. Tudo ali é muito forte. Todos que participam voltam diferentes mesmo, é uma experiência que um ator não pode, se for convidado, recusar. Tem que viver isso. Fiquei quase um mês lá. Foi bom para a imersão, as pessoas te vêem como Jesus o tempo todo, você é um ator conhecido, mas ao mesmo tempo está barbudo e cabeludo e fica com aquele magnetismo que Cristo devia ter... O interessante em atuar é que o ator não trabalha só no período em que está estudando, encenando ou gravando, ele trabalha o tempo inteiro através da observação, porque a gente lida com construção de almas, de pessoas, a nossa matéria-prima é o ser humano.

Sua carreira tem personagens mais densos. Você prefere estes papéis ou eles acabam vindo naturalmente?

Eriberto Leão: Até agora, eu não tive nenhum personagem que não me inspirasse até uma certa profundidade. Não existe papel superficial. Se um personagem é superficial, você pode trabalhar essa superficialidade de uma forma profunda. Existem pessoas que são superficiais e nem por isso elas deixam de ter uma carga psicológica. Eu até hoje só tive a honra - eu nem chamo de sorte, mas de honra mesmo - de fazer obras como as do Benedito Ruy Barbosa, que é um autor que trabalha com uma profundidade incrível a alma do personagem. E agora vou ter a oportunidadede de fazer uma novela de Gilberto Braga. Eles são dois dos maiores mestres da nossa teledramaturgia. São clássicos e inesquecíveis.

Você leva seus personagens para casa?

Eriberto Leão: Cada personagem traz um aprendizado. Não tem como construir um personagem com coisas fora de você ou então não é verdadeiro. Com cada personagem você empresta algo e ao mesmo tempo ganha um grande aprendizado. Nesse sentido, eu levo para casa as coisas boas, assimilo e tento aprender e botar na minha vida. E o aspecto que não é tão bacana, eu tento ter aprendido com a lição que meu personagem teve. Mas não é que eu me confunda com o personagem. Aprendo com ele e aí eu me transformo novamente a cada um deles.

"É interessante como a gente ama o Darth Vader. Na verdade, o herói ideal deveria ser uma mistura de Luke com Han Solo."

Já faz um tempo que os vilões estão conquistando o público. Tem vontade de fazer um?

Eriberto Leão: Eu fiz um vilão agora no cinema em "Assalto ao Banco Central", do Marcos Paulo, que acabei de filmar. É interessante como a gente ama o Darth Vader. Na verdade, o herói ideal deveria ser uma mistura de Luke - que sozinho é meio chato - com Han Solo. Há um tempo essa preferência acontece e o grande desafio acaba virando conseguir fazer o herói. Nas últimas novelas, eu vivi mocinhos que caíram no gosto do público e não foram chamados de chatos ou bobos porque eles eram humanos e tinham seus defeitos. Sempre se confunde bondade com ingenuidade e as pessoas não têm mais paciência para os que são sempre enganados. O grande prazer que eu tenho é em fazer os mocinhos. Agora, esse do Gilberto Braga acho que vai ser um grande desafio, é um herói extremamente rico. Tenho a oportunidade de levar esse personagem para as pessoas e é isso o que eu vou fazer com toda a minha alma.

Como você está construindo esse seu novo mocinho?

Eriberto Leão: Já estou vivendo esse personagem há muito tempo. Conversei com pilotos, tive aulas, voei bastante viajando. Quando eu acabar a novela, quem sabe eu me animo e continuo pilotando. Também comecei a reler livros de pilotos escritores como Richard Bach. O piloto tem uma alma poética. Ninguém é mais livre do que o piloto, porque nada é mais livre do que voar e você só voa com uma disciplina muito grande. É bacana porque tem uma música da Legião Urbana que diz que "disciplina é liberdade". Disciplina é uma coisa que eu valorizo muito e que pretendo levar para o meu filho. A disciplina não é o que te poda, é o que te leva a ser o que você quiser.

Você já viveu Santo Antônio, Jesus Cristo, o filho do diabo em Paraíso...Você é uma pessoa espiritualizada?

Eriberto Leão: Não sou um cara religioso, me interesso por religiões. Acho que a grande busca do ser humano é decobrir porque a gente está aqui, como está aqui e se tem alguma coisa depois daqui. Desde os mais crentes até os mais céticos. O próprio Saramago, nosso mestre que morreu neste ano e eu tive o prazer de conhecer, falava muito de questões religiosas e era ateu. Eu me interesso pelas religiões, culturas e pelos mitos. Sou apaixonado por Joseph Campbell, que é um mitólogo incrível e que é muito importante para diretores e roteiristas, que queiram ou não, todos escrevem em cima desses arquétipos e mitos. Agora, eu tenho a minha relação com certos personagens cristãos por eu ter nascido na sociedade cristã. Se eu fosse um árabe por exemplo, seria um outro contexto. Compreeender a cultura em que você vive e os seus símbolos é essencial e eu sempre busquei isso e admirei os filósofos da minha cultura. É muito bonito quando você consegue enxergar essa "jornada do herói" na sua vida.

"Hoje, as pessoas leem muito menos e pararam de ver a vida com poesia."

Você sempre teve essa paixão pela literatura?

Eriberto Leão: Dizem que os geminianos são muito curiosos. A curiosidade me levou a descobrir certos mestres, que me levaram até essas buscas, que por sua vez, me levaram a sempre questionar para ter minha própria opinião. Logo, eu sou uma mistura dos filósofos que eu li. Hoje, a gente está com uma carência tão grande de pensadores... Eu tenho muitas ideias e me interesso por assuntos que vão desde a química à filosofia. Acho que esse é um grande problema da nossa sociedade e da nossa juventude. A gente se limita muito. Temos que ser mais do que esses grandes homens que existiram no passado. Penso na arte dessa forma, uma maneira de se transformar e de transformar o mundo. Hoje, as pessoas leem muito menos e pararam de ver a vida com poesia.

E o que vem por aí?

Eriberto Leão: Além da novela, que antes mesmo de entrar no ar, eu já estou vivendo, tem o longa "Assalto ao Banco Central". O cinema brasileiro e o público brasileiro estão numa fase boa, as pessoas voltaram a prestigiar e temos um baita filme. Tenho também o projeto de fazer um monólogo musical sobre o Jim Morrison para o teatro. É impressionante como o que ele fala é pertinente até hoje. E, enfim, posso dizer que sou um cara realizado porque construo meus personagens em suas viagens absolutas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro esse rapaz!!! Sempre muito inteligente.