
Renato, antes de você fazer a galera rir, quem te fazia dar gargalhadas?
Renato Aragão - Olha, primeiro foram os palhaços de circo. Era criança e o palhaço é um fascínio. Depois chegaram aqueles curtas do [Charles] Chaplin e aí veio o cara que arrasou com tudo, que me fez estar aqui, o Oscarito, um grande comediante de cinema. Foi nesta ordem.
E o que a gente pode apontar como elementos de um tipo de humor que resiste ao tempo?
Renato - Essa pergunta eu passo pra você, porque eu mesmo não sei [risos]. Eu não explico essa minha longevidade em fazer humor até agora, para crianças. Deve ser pela minha perseverança, pela minha força de vontade de querer sempre levar coisas novas. Eu quero saber o que estão fazendo atualmente e o que vão fazer no futuro. A gente tem que estar preparado para essas mudanças tecnológicas, para essa coisa toda.
"Não quero ensinar a ninguém. A criança tem quem saiba ensinar a ela muito melhor que eu: seus professores, o tempo, o pai e a mãe"
Você já disse em uma entrevista que o Didi não é professor, ele é cúmplice da molecada.
Renato – Olha, isso aí é meu eterno combate e minha eterna sinceridade. Não quero ensinar a ninguém. A criança tem quem saiba ensinar a ela muito melhor do que eu: são seus professores, o tempo, o pai e a mãe. Qualquer um desses está ensinando muito melhor que eu. Eu quero ser coleguinha dele [da criança]. Não quero ser tio de ninguém, Deus me livre que alguém chegue e fale: ‘ah, tio Didi...’
E como que é o pessoal te abordando na rua? Eles param para contar história, pedem para você contar piada?
Renato - Contam coisas emotivas também. Pessoas de 30 e poucos anos que choram e me falam: ‘Pô, Didi, graças a você eu conheci minha mulher, na fila dos seus filmes’.
Olha! Didi de cupido também!
Renato - Várias vezes eu ouço essa mesma história. Isso é muito confortante para mim.
Depois de quarenta e sete filmes e de ter feito de tudo um pouco, o que você sente falta?
Renato - Ah, eu quero fazer mais filmes. Parei agora por dois anos porque estou fazendo seriado. Minha vida, graças a Deus, está muito preenchida de projetos. Eu faço um programa por semana, um seriado por ano, minisseriado, o Criança Esperança, um especial de fim de ano. Estou tentando administrar melhor o tempo voltar a fazer meus filmes.
O cinema brasileiro está em uma fase legal?
Renato - Está. Eu já passei por tantas crises...
"Eu peguei várias crises. O cinema brasileiro é muito teimoso. Às vezes ele não tem incentivos, ele vai e o povo se afasta. Depois volta"
Você pegou a fase de queda...
Renato - [Interrompe] Todas! Mas isso aí vem desde o preto e branco. Eu peguei várias crises. O cinema brasileiro é muito teimoso. Às vezes ele não tem incentivos, ele vai e o povo se afasta. Depois volta. Hoje nós estamos vivendo uma fase maravilhosa do cinema. Talvez seja uma das melhores. O povo está acreditando no cinema brasileiro, porque nós estamos fazendo filmes bons, agradando.
E qual foi o período mais complicado para você fazer cinema? Foi no começo dos anos 90, quando houve uma quebradeira?
Renato - Muito antes. Eu vim de uma crise. Havia filmes muito intimistas, ‘intelectualóides’, e aquilo afastou o público do cinema. Estava chegando no Rio para fazer televisão e cinema, quando um produtor, Jarbas Barbosa, disse: ‘Vou voltar com comédia, vou voltar com as chanchadas da época do Oscarito’. E faz um filme com a dupla Didi e Dedé, em preto e branco, “Na Onda do Iêiêiê” (1966). Cara, bateu. Foi um sucesso espetacular e todo mundo voltou a fazer filmes de humor. Na verdade, eram filmes que também eram musicais. Havia uma historinha e os cantores. O cinema e o show musical se juntaram. Essa aí foi uma das melhores fases, depois de uma crise, que eu já vi.
E teve algum momento do tipo: ‘Como é que eu vou filmar? Está faltando verba, está faltando ator...'
Renato – [Risos] Isso aí é com o produtor, não comigo. Eu não tinha esse poder. Fui fazendo os meus filmes até que eu abri minha produtora, impulsionado pelo sucesso. Por exemplo, eu era associado do J.B. Tanko [diretor iugoslavo, fez vários filmes dos Trapalhões], um cara que me ensinou muito, que fez meu melhor filme dos Trapalhões. Eu falei: ‘Tanko, eu quero ir à África fazer um filme lá, chamado “O Rei e os Trapalhões” (1979)’. Aí ficava ruim eu impor a ele um orçamento das minhas vontades. Então falei: ‘Vai fazendo uns filmes aí, que eu vou fazendo uns filmes aqui, e depois a gente se encontra’.
No filme com o Pelé, “Os Trapalhões e o Rei do futebol” (1986), você filmou no Maracanã, não é?
Renato - O Carlos Manga que dirigiu esse filme. Foi No intervalo de um Vasco x Flamengo, estádio lotado.
Você escolheu este jogo de propósito, não é? [Renato é vascaíno]
Renato – [Risos] Foi o diretor. Naquela época não podia escolher. Mas anote aí: o Vasco ganhou naquele dia [gargalhadas].
E essas expressões do Didi, como falar 'cuma' e 'campanheiro'? Como é que veio esse vocabulário?
Renato - Olha, muitos foram criados por mim e outros foram um ‘bate e volta’. Eu ouvia e devolvia. Um dia eu estava em casa quando um amigo ligou: ‘Renato, eu estava na praia, aí tinha um malandro deitado na areia vendo aquelas mulheres boas passar. Ele olhava para as mulheres e dizia tesouro!’ O ‘cuma?’ foi meu. Era uma expressão nordestina que o caboclo usava muito quando ele queria dizer ‘como é que é?’ Aí ele suprimia e dizia: ‘cuma?’.
Muitas frases e cenas da época dos Trapalhões são lembradas por um público mais velho que te via desde criança.
Renato - Eu soube que um dos maiores sucessos no Youtube é um musical que eu fiz, um clipe do Chico Buarque, Teresinha. As pessoas relembram de quadros que às vezes nem eu me recordava mais.
A gente quer comentar também do seu lado escritor. Há pessoas que te acompanham na televisão e não sabe que você já lançou livro...
Renato – Hove uma fase em que eu estava meio paradão e resolvi escrever um livro.
O livro é o “Amizade Sem Fim”?
Renato - Não, este que você falou é um romance [o segundo livro de Renato]. Primeiro foi um de frases, tipo auto-ajuda. Frases que eu gostaria de dizer para os meus filhos e não tive oportunidade. Depois foi um romance mesmo. Eu levei escondido, não queria que ninguém soubesse. Fiquei dois anos, porque eu não tinha tempo. Quando eu ia continuar escrevendo, eu nem me lembrava do que eu tinha feito [risos]. Tinha que ler tudo de novo para continuar, pegar dali para frente. Aí eu lancei aquilo de curtição. Talvez faça outros, eu gosto. Eu tenho muita facilidade de escrever, graças a Deus. Dos meus 47 filmes, escrevi 40. Metade sozinho e outra metade com os redatores e colaboradores. Todos estes especiais [da TV], nascem comigo. Eu pego um ‘sinopão’, que é como eu chamo uma sinopse grande, e mando para um redator fazer. Só um texto foi de outra pessoa, que foi o Auto da Compadecida, do Ariano Suassuna [os Trapalhões estrelaram uma adaptação cinematográfica, em 1987, inspirada na obra de Suassuna].
Existe hoje uma preocupação com um discurso politicamente correto que afeta na forma de fazer humor.
Renato - Antigamente não tinha esse policiamento. Então, essas pessoas [alvos de piadas] cresceram e quiseram se impor, o que eu acho muito bonito. Negros, homossexuais, gordos, nordestinos. Todas essas pessoas que eram vítimas de preconceitos. Antigamente era comum chamar alguém de negão, paraíba... Isso não ofendia ninguém. Muitas coisas que eu falava, até coisas de palhaço, eu não tinha intenção, e nem ninguém, de ofender.
O humor se adapta à maneira que a sociedade o recebe?
Renato - Exatamente. Hoje em dia eu não poderia dizer 90% das coisas que dizia ou que o Mussum dizia, o Dedé dizia, que o Zacarias dizia... A gente nem se tocava que poderia, sem querer, ofender alguém. Imagine se eu quero isso! Eu quero é conquistar esse público! Hoje eles conquistaram também o lugar deles. E acho que tem que ter respeito mesmo. Tem que respeitar os caras e acabar com isso de ridicularizar qualquer um.
É verdade que, por formação, você é advogado?
Renato - Não combina, não é? O Didi advogado. Combina o Renato Aragão advogado, aí combina [risos]. Eu ralei muito, estudei muito.
Chegou a exercer a profissão?
Renato - Cheguei a exercer um ano. Tenho a carteira da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Não fui só fazer faculdade e sair fora não. Advoguei um ano para tirar a carteira da Ordem, mas depois que cheguei na televisão não tinha mais como exercer. Mas eu tinha a intenção de ser advogado.
E como é que você começou como advogado e descobriu todo um universo do humor?
Renato – Eu estava na faculdade, mas desde quando o Oscarito me induziu a isso [trabalhar com humor], eu guardei. Naquela época, no Ceará, não tinha nem como. Só tinha rádio. Quando chegou a oportunidade eu fiz. Chegou a televisão, eu estava no quarto ano de Direito. Entrei como redator, como diretor e me incluí como ator. Então entrei para a televisão, mas me segurei na faculdade. Conciliei tudo isso e ainda trabalhava em um banco. Banco do Nordeste, que era uma facção do Banco do Brasil.
E depois você passou pela Tupi, onde teve a formação dos Trapalhões que a gente conheceu na Globo?
Renato - Ainda não. Na primeira passagem pela Tupi eu fiz dupla com Dedé. O primeiro quarteto foi na TV Excelsior. Éramos eu, o Wanderley Cardoso, Ted Boy Marino e Ivon Curi. Chamava-se ‘Adoráveis Trapalhões’. Depois dissolveu, fiquei sozinho e então juntei Didi, Dedé e Mussum e apresentamos ‘Os Insociáveis’, na antiga TV Record. Depois, que eu chamei o Zacarias, fui para a nova TV Tupi, que chegou colorida. Fiquei dois anos e meio nessa nova Tupi e vim para a Globo.
É verdade que tem uma escola de samba de São Paulo querendo te homenagear?
Renato – Ela fez o convite e eu fiquei preocupado por causa da responsabilidade. Porque não é só uma homenagem não. É a escola toda. É o tema. O tema é o Didi e o Renato Aragão. E uma escola famosíssima, chamada X9 Paulistana. É uma homenagem da qual eu não posso fugir. Eu recebi muitas homenagens e troféus, graças a Deus. Mas como essa, que vem do povo, é uma coisa diferenciada de tudo. Para mim essa homenagem é máxima que uma pessoa pode receber. Fui lá no barracão deles, na escola de samba, e oficializei.
Renato, desde 1991 você está ligado à Unicef. Como é que começou esse convite?
Renato - Comecei fazer o Criança Esperança mas que, no começo, não tinha esse nome, Era S.O.S Nordeste. Ele surgiu de um pedido que eu fiz para a direção da Globo. Aconteceram três anos de seca no Nordeste, as pessoas estavam necessitadas demais e eu falei: ‘Ô Boni, vamos fazer uma campanha arrecadando fundos?’ Ele topou, foi um sucesso total. Aí, no ano seguinte, disseram que seria realizada para sempre e passou a se chamar Criança Esperança. E até hoje está aí, com 25 anos. Mas de Unicef eu tenho apenas 20 anos.
Apenas 20 anos [risos] ?
Renato – [risos] Eu comecei sem ser embaixador da Unicef, que é um título fantasia.
Lílian Aragão – [Interrompe] Não é fantasia. Só existem seis pessoas...
Renato – [Interrompe] Ô ‘muié’, você quer dar a entrevista ou sou eu?
Lílian – Eu quero falar que só existem seis pessoas no mundo com esse título. E outra coisa [olhando para o repórter]: ele [Renato] é o embaixador que mais tempo ficou no cargo.
Renato – E eu vou perder essa grana, ‘muié’? Eles me pagam! Sabe quanto? Um dólar por ano [risos].
Como humorista, você é uma pessoa que vive do riso. Como foi fazer as pessoas rirem em uma fase da sua vida em que você perdeu dois grandes companheiros de trabalho, o Mussum e o Zacarias?
Renato - Nem fale nisso. Não gosto de relembrar porque eu passei um momento muito difícil quando faleceram os dois, aliás, três, que tem o Tião Macalé, que era um Trapalhão adotivo. Eu pensei em largar tudo, não tinha mais graça, não tinha mais motivação pra fazer. Fiquei seis anos só fazendo especiais. Fui até Portugal. Viram que eu estava parado aqui e me chamaram para fazer um programa lá. Fiquei três anos, ia e voltava, ia e voltava e fazia aqui os especiais de fim de ano. Mas um dia eu disse que iria voltar. A minha alegria voltou depois de seis anos e estamos aqui.
O que te dá vontade de fazer na TV? O que te motiva hoje?
Renato - Tudo. Parece que eu estou começando agora. Puxa, eu gosto de fazer essas microsséries especiais, sem deixar de mão As Aventuras do Didi. Todas elas, quando batem na tela, são um sucesso. Isso me dá motivação porque é coisa diferente. Eu adoro cinema e [este tipo de programa] virou filme, porque é tudo gravação externa. O Acampamento de Férias foi 99% externa. É uma linguagem que não se vê muito na Globo. Fazendo estes programas você fica meses em alto mar, na cachoeira, viajando, a 4 graus de temperatura em Curitiba. Loucura total. Mas o resultado na tela é diferenciado. Vale a pena.
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