domingo, 2 de maio de 2010

Entrevista: Alessandra Negrini conta que já ganhou até lambida de onça

Linda, divertida e cheia de histórias legais para contar. A atriz Alessandra Negrini explica que, às vezes, fica desanimada em sair de casa, no Leblon, por conta do assédio dos fotógrafos de celebridades. Mas, ao mesmo tempo, diz que, ao gravar a minissérie A Muralha, ficou à vontade ao lado de uma onça! E que, inclusive, o bicho lambeu o seu pé!

Apesar de seu último papel na Rede Globo ter sido como as irmãs Paula e Thais, de Paraíso Tropical (2007), ela nunca abandonou projetos paralelos, tanto no cinema quanto no teatro. Paulista que não terminou curso de ciências sociais na USP para seguir a vocação de atuar, Alessandra conta por que viajou para fora do país após o estouro da minisérie Engraçadinha, revela que planeja produzir peças de teatro e recorda seus grandes momentos da carreira na TV na seguinte entrevista:

Li uma declaração sua em um jornal onde você disse que adorava fazer TV, mas também curtia clássicos de teatro. Para quem só te conhece pela TV: qual esse outro lado da Alessandra? O que você faz e curte?
Alessandra Negrini - Tudo o que eu faço eu curto. É que eu tenho esse lado mais cabeção [risos], de quem estudou ciências sociais [na USP].

Você chegou a completar o curso?
Alessandra - Não cheguei a completar porque uma hora fui fazer teatro e não dava para conciliar mais. Eu fazia faculdade de tarde, teatro à noite e ainda tentava dar aula de inglês pela manhã.

Jogava nas onze.
Alessandra - Eu acabei não completando ciências sociais, mas meus grandes amigos de São Paulo fizeram o curso. Eu até fiz jornalismo um tempo...

Sério?
Alessandra - Do jornalismo que eu fui para as ciências sociais. Eu fiz um ano de jornalismo e aí um monte de gente foi para ciências sociais. E a questão da televisão também me interessa muito, como alguém que gosta de pensar a sociedade. Por isso que eu gosto da televisão, esse veículo que tem esse alcance tão grande e que é tão importante para o nosso país. Eu jamais seria uma artista satisfeita se só fizesse teatro ou cinema para poucos. Eu gosto de poder levar o meu trabalho para o Brasil inteiro. Acho bonito e tenho orgulho disso.

O seu começo mesmo, na Globo, foi em Olho no Olho (1993)?
Alessandra - É. Mas eu considero a minha estreia mesmo com Engraçadinha. Aliás, minha estreia na Globo nem foi em Olho no Olho, mas em um programa que fiz com a Denise Saraceni e a Regina Duarte [pensativa]. Foi a primeira vez que fiz televisão na vida: Retratos de Mulher. Eram episódios. Na minha primeira vez na Globo eu fiz a filha da Regina Duarte.

Do seu período de formação no teatro até a TV, chegou a esticar um período nos palcos ou caiu direto na telinha?
Alessandra - Fiquei um tempo no teatro. Fiz o curso do diretor Antunes Filho, em São Paulo. Fiz escola de teatro e comecei a produzir teatro. Só então fui para a televisão.

O papel que te deu a dimensão da TV em termos de alcance de público foi em Engraçadinha?
Alessandra - Foi. Quando eu realmente percebi o que era e fiquei tão apavorada que fui para Europar mochilar. Fiquei um mês. Estava assustada no início, aí quis me isolar.

O que a assustou?
Alessandra - A pressão é muito grande, tem a questão de imprensa, o assédio. Nem tanto na rua, o assédio do público na rua não me incomoda, pelo contrário! Eu acho até bom. Tenho uma relação boa com isso. Eu gosto de pisar em qualquer lugar que eu queira pisar e me sinto livre para isso. Não deixo de ir a nenhum lugar porque poderia ser assediada pelo público. O que mais incomoda é um assédio de paparazzi da imprensa.

Mas você não procura se expor muito...
Alessandra - Não tem como fugir. É uma coisa que existe, faz parte da minha profissão. O contato pessoa a pessoa é uma coisa que você pode lidar. Agora [suspira], essa imprensa de celebridades é uma coisa que deixa você meio subjugado por ela. É mais difícil de lidar.

E você encontrou alguma fórmula para aliviar a situação? Ou a gente acaba com a sua paz se contar para todo mundo?
Alessandra - Em São Paulo eu sou mais preservada, lá tem menos disso. Hoje em dia vivo melhor lá que no Rio. Eu moro no Leblon e não tenho mais vontade de sair para caminhar na praia ou passear com cachorro. Em São Paulo é mais raro ter paparazzi na rua.

Voltando à conversa sobre Engraçadinha: você viajou para fora...
Alessandra - [risos] Fui colocar a cabeça no lugar. E foi ótimo. Quando voltei, fui fazer novela.

Sua primeira vilã foi a Paula de Anjo Mau, do remake, de 1996.
Alessandra - Foi ótimo, eu me diverti muito nessa novela!

Outro personagem que bombou foi em A Muralha. Foi um trabalho de muita exposição?
Alessandra - Foi um dos trabalhos que mais amei fazer. Mas todos os trabalhos são de muita exposição [risos]. E não teve nenhum trabalho que fiz que não tenha sido muito intenso na minha vida. Foi bem difícil fazer A Muralha. Eu sofri porque o personagem era muito rejeitado. Mas não rejeitado pelo público. Era um personagem meio fronteiriço, meio mulher, meio onça, meio índio, era um personagem bem marginal. Mas foi incrível. Nunca me esqueci como foi trabalhar com os índios.

Como foi esse preparativo? Houve uma convivência prévia?
Alessandra - A gente se conheceu na hora, mas trabalhei muito com eles. Eram várias tribos, principalmente Xavantes.

Como foi seu primeiro contato com os índios?
Alessandra - Uma surpresa. Quando eles chegaram eu falei: "Nossa, que povo lindo!" Eu estava me maquiando e entraram, sei lá, uns 200 índios que não falavam português. E para descobrir como se comunicar com aquelas pessoas? Foi muito bonito: o sorriso era uma comunicação. Esse também é o meu lado de quem estudou ciências sociais, antropologia...

Você conciliou com seu mundo.
Alessandra - Isto é o que eu sou, entende? Todos os meus personagens pertencem a algum lugar e carregam a sociedade e o tempo onde estão vivendo. Isso vem do meu apreço pelo estudo do homem. Amo as culturas e o ser humano. Descobri com os índios que o sorriso era a primeira e imediata forma de comunicação. Diferente do olhar: às vezes você olhava para alguém e os códigos são tão diferentes... Lembro da primeira vez que me comuniquei [com os índios] foi com o riso. O riso é universal. Até hoje eu uso isso comigo. Você vai para um país estrangeiro e quer ser bem tratado? Abra um sorriso antes de falar qualquer coisa. Quer comprar uma passagem de trem na França? [Faz um sorriso escancarado antes de seguir falando] Aí você pede [risos]. Isso eu aprendi na Muralha com os índios. Outra coisa bacana da série foi o contato com a natureza. Eu adoro onça e tive contato com uma. Eu tinha o maior medo de cavalo, e de todas as cenas com cavalo. Mas trabalhava com onça e não sentia medo. Lembro até de uma onça que lambeu o meu dedão do pé em uma cena. E não acontecia nada. Mas era só eu chegar perto do cavalo que ele relinchava e empinava.

Foi um papel marcante.
Alessandra - E eu tenho preferências por fazer heroínas, heroínas trágicas. A personagem da Muralha era uma heroína. A heroína não é a boazinha...

Em termos de repercussão com imprensa, em Paraíso Tropical você recebeu várias indicações a prêmios no país. Foi o período em que sentiu a maior repercussão na críitica na TV?
Alessandra - Em Engraçadinha eu ganhei prêmio, o APCA [Associação Paulista dos Críticos de Arte]. Mas não saberia te dizer. Paraíso Tropical foi talvez o trabalho mais difícil que eu tenha feito na Rede Globo. Porque a novela das oito já é maior que as outras novelas, em termos de duração, então a quantidade de trabalho fazendo uma protagonista dupla [Alessandra fez as gêmeas Paula e Taís] é muito grande. Foi um ano de 12 horas por dia de trabalho, sem folga, porque domingo eu tinha que decorar texto. E conseguir manter uma qualidade, conciliando horas de sono. Foi um enduro.

Mas a repercussão foi maravilhosa.
Alessandra - Foi um sucesso. O amor do público me recompensou. Eu ouvi até um "parabéns, você tem que ganhar o Oscar" [risos]. Eu não tinha tempo de ler crítica. Lembro de ter dado uma entrevista para a Folha de S.Paulo por e-mail às quatro horas da manhã. Até porque, protagonizando um papel de novela das oito, o cara [protagonista] é quase um político. Você tem que cumprir com uma agenda de entrevistas. Aliás, uma coisa que aprendi em Paraíso Tropical foi dar entrevistas por e-mail. Prefiro, até. Tenho facilidade para escrever e me distraía escrevendo ali na hora. [A novela] Foi um trabalho que tenho muito orgulho. Não é fácil fazer televisão. Tem ator de teatro que desmerece televisão... [suspira] Ah, meu amor, vai fazer TV, então! É muito difícil.

O que pega para um ator de TV?
Alessandra - Tem o volume de trabalho, a dificuldade de concentração. Tem muita coisa e muita gente. Se você não estiver focado e tiver muita disciplina, não consegue criar nada. E ainda faz um feijão com arroz mal feito.

Que dica você daria para quem está começando?
Alessandra - Eu não sei dar dica. Você não tem que ter só talento, tem que ter vocação.

Quando bateu em você a sua vocação?
Alessandra - Percebi que poderia ser atriz brincando na escola, no prédio. Eu sempre tive tendência de dramatizar tudo [gargalhadas]. Lembro que, em família, eu fazia umas cenas de novela e meu pai tirava sarro: "Ah, vai fazer novela!" [risos]. Mal sabia ele que isso viraria verdade. Fui seguindo um caminho meio que natural para o teatro. Tentei fazer outras coisas. Tentei ciências sociais, jornalismo... Como não tinha artista na minha família, isso parecia uma coisa distante. Minha vida foi me levando para este caminho [atuar] e eu comecei a ver que dava certo.

O que você tem de projeto em vista para contar para a gente?
Alessandra - Estou com um filme para ser lançado ano que vem ou ainda em 2010, que se chama "Dois Coelhos", que está finalizando. E estou filmando outro agora, do Karim Aïnouz, que deve sair ano que vem.

O que tem ocupado mais seu tempo como atriz é o cinema.
Alessandra - Só que agora estou começando a produzir teatro. Se você quer fazer uma carreira em teatro consistente, uma hora você tem que começar a produzir. Para escolher os personagens que você quer. Estou neste momento: tenho pesquisado texto.Acho que ano que vem ou final deste ano consigo estar com uma peça em cartaz.Isso é uma nova fase como atriz, por exemplo. Eu não tinha tempo para produzir, fazia o que me chamavam para fazer. E também tem o investimento de tempo em família, filhos e tudo mais. Agora estou entrando em uma fase mais independente e isso é bem bacana.

Como é a Alessandra mãe?
Alessandra - Procuro fazer um tempo de qualidade com meus filhos. Não fico muito em cima não porque não é meu perfil de mãe. Eu incentivo que eles tenham autonomia e estejam no mundo se sentindo amados, mas com independência. Mas educação é uma coisa bem interessante, é uma troca. Depois que tive minha filha fiquei muito mais jovem. Não é uma coisa de mão única, como você sendo aquele que detém o saber e vai passa-lo. Educação é uma vivência a dois, no meu caso, a três [sorri], muito legal.

Eles acompanham a mãe como atriz?
Alessandra - Betina é muito novinha ainda, está com cinco. Agora, o Antônio acompanha a vida inteira. Bate texto comigo, já teve peça que ele sabia o texto de cor.

No cinema você fez trabalhos que chamaram atenção, foram premiados e racharam opinião do público, como o Cleópatra, do Bressane.
Alessandra - Rachar o público em termos, né? Cinema não é para agradar todo mundo. Esta não é a função do cinema. Ele tem que agradar as pessoas que gostam daquilo. Não existe uma entidade chamada "o público". O público é formado por diversos segmentos. A televisão tem essa função de agradar ao maior número de pessoas possível, mas o cinema, no meu entender, não é isso. Trabalhar com o Júlio [Bressane] foi muito importante na minha vida. Eu me realizei como criadora, aprendi muito sobre cinema com ele, me apaixonei pelo cinema com ele, me apaixonei pela questão da imagem. E, poxa, eu fui para Veneza duas vezes com o Júlio Bressane [para o Festival de Veneza]. Em Veneza eu dei autógrafo. A gente ficou muito tempo em cartaz na França. Isso que é bacana de transitar. Eu tenho orgulho da minha escolha profissional de poder fazer uma novela das oito na Rede Globo, conseguir falar com o maior número de pessoas possível, fazendo a minha arte, levando meu modo de ver o mundo, e, ao mesmo tempo, fazer o filme do Bressane e falar com outros públicos como os italianos... Se fosse para escolher uma coisa só faltaria um pedaço de mim.

E sobre o futuro na TV? Que tipo de papel você tem vontade de fazer?
Alessandra - Eu tenho vontades sim. Gostaria de fazer um personagem do povo. E também ligado à comédia.

Na TV você não fez muitos trabalhos ligados ao humor.
Alessandra - Não. Mas todas as minhas vilãs puxam para o cômico. A Paula, a Selminha [de Desejos de Mulher]... A gente não falou da Selminha ainda! Adorei fazer a Selma, ela era terrível e o mais legal foi a dupla que fazia com o mordomo, o ator Niltinho Bicudo. Nos divertimos muito e os diálogos eram muito bons! O figurino também era muito copiado nas ruas. Era chamada de Selminha Bin Laden [risos]. E tem um lado cômico porque essa vilanice extrema tem uma coisa que chega a ser engraçada. Fazer vilã é divertido. Mas queria fazer mais comédia na televisão.

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