Combinamos com o
Osmar Prado de fazer uma entrevista na casa dele e chegamos com uma hora de atraso por conta de um atípico dia de trânsito no Rio de Janeiro. Ele sorriu como quem aconselha um incauto: “estava de carro, né? Se fosse de moto, não atrasaria”. E logo logo você percebe a paixão do ator pelas máquinas de duas rodas: prateleiras com capacetes dividem espaço nobre na sala com fotos de vários papéis marcantes no teatro, cinema e TV. No papo a seguir, Osmar dá conselhos a atores iniciantes e compartilha histórias bacanas, como a vez em que jogou com o genial Mané Garrincha para uma novela. E recorda de um diálogo improvisado em
Sinhá Moça para responder a uma suposta futrica entre ele e o mestre Chico Anysio – que o próprio Osmar se declara admirador.
Dos trabalhos que você fez na Globo, houve até um jogador de futebol na novela Bandeira 2. É verdade que você contou com ajuda de Mané Garrincha para este papel?
Osmar Prado - Eu pedi lá no Olaria [tradicional time suburbano do Rio de Janeiro] para treinar no juvenil. Eu entrava no treino dos juvenis para poder gravar as cenas da novela. E foi até muito engraçado: fui ver a edição de um gol que fiz e o editor estava cortando tudo. Falei "Pô, cara, você vai cortar tudo?" Era o Bily, filho da Dalva de Oliveira, meu amigo: "Nós conduzimos uma bola da intermediária até a área do adversário, o cara cruzou, eu entrei de cabeça e fiz o gol e tu vai cortar, só vai deixar a cabeçada? De jeito nenhum" [gargalhadas]. Aí ele reeditou e colocou cada etapa da jogada. E o Mané Garrincha, nesta ocasião, até teve uma participação na novela me dando cobertura técnica. Por exemplo, se precisasse só dar uma cabeçada, ele cruzava para mim na área. E era admirável a precisão com que ele lançava a bola onde quisesse. Ele estava encerrando carreira no Olaria. Nós fizemos um jogo histórico, envolvendo artistas, em Goiânia, e tivemos o Félix no gol, o Nilton Santos no meio de campo e Mané Garrincha na ponta direita. Ganhamos de 3 a 1. Tive a honra de jogar com eles.
Você admira o espetáculo do futebol. Mas as motos é que são o seu hobby?
Osmar Prado - Eu não tenho hobbies. Motociclismo para mim é meio de locomoção. Como eu ando de moto há muitos anos, comecei com meu pai na década de 1950, eu também me interessei em saber como funciona. Para fazer alguns reparos eu mesmo, aqui na minha casa. O tanque da minha moto, por exemplo, está lá [aponta para a garagem]. Está desmontado por mim esperando a chegada da peça para eu colocá-lo de volta.
É verdade que você começou a carreira ainda criança, na TV Paulista, que depois foi comprada pela TV Globo?
Osmar Prado - Fui levado por uma tia, que era irmã da minha mãe e a ajudou a criar os filhos, para uma escola de arte dramática. Na verdade, não era escola. Era um treinamento regimental a figurantes. Foi onde eu fiz minha primeira participação no filme do Anselmo Duarte fazendo figuração. Mas acabou que não fiz só figuração. Eu tive uma cena. Dali surgiram oportunidade de fazer um teste na televisão. Trabalhei oito anos com Líbero Miguel, que veio a ser diretor da primeira novela da Rede Globo, Ilusões Pedidas, da qual eu participei. Mas [também] trabalhei oito anos na TV Paulista, canal 5, em São Paulo. As únicas emissoras [na época] eram Tupi, Record e Paulista, que virou Globo depois. Sou pioneiro. Eu sou da televisão ao vivo.
Época de teleteatro...
Osmar Prado - É, teledrama...
Existiram mesmo aquelas histórias de improvisos loucos na TV ao vivo?
Osmar Prado - Sim, não podia errar. Não tinha tape. Era uma espécie de teatro. Existem histórias fascinantes. Daria um livro isso daí. Eu desenvolvi, desde cedo, uma capacidade de sair dessas situações muito grande. Ainda hoje ajudo colegas, não só no teatro, como na televisão. De improviso, me vem à cabeça a solução.
Você está em cartaz agora.
Osmar Prado - Estou em cartaz no Teatro Poeira [Rio de Janeiro], com Colapso.
Até quando vai estar em cartaz?
Osmar Prado - 30 de maio, com possibilidade de prorrogação. Está indo bem. Tem direção e autoria de Hamilton Vaz Pereira.
"Na TV você se habitua a essa comodidade de poder errar, voltar e repetir. Isso não funciona quando você vai para o teatro"
O que você lembra da sua primeira novela da TV Globo? Não tinha Projac, a tecnologia era mais simples...
Osmar Prado - Ilusões Perdidas? Foi gravada no Jardim Botânico. Nós entrávamos por volta de meio-dia e saímos quatro horas da manhã. Tinha que gravar um capítulo seguido por vez. Se você errasse a cena no final, tinha que fazer toda ela de novo. Hoje em dia você pode gravar fala a fala. Eu acho que a tecnologia evoluiu, é mais simples você fazer [TV]. Só que ela criou também, para quem se dedica só à TV, um grave problema [para o ator], porque você se habitua a essa comodidade de poder errar, voltar e repetir. Isso não funciona quando você vai para o teatro... Quem sabe faz ao vivo, como diz o Faustão.
Você acha que é um alerta para as gerações novas de atores?
Osmar Prado – Ah, eu acho. É um alerta porque imobiliza.
Que dificuldade, por exemplo, um ator que só faz teatro teria ao encarar a televisão?
Osmar Prado - A urgência como se realiza o trabalho na televisão dificulta. [No teatro] o cara que está acostumado a fazer um processo. Você parte da leitura, vai da leitura para discussão em grupo, vai para a releitura, depois você começa a movimentar o corpo com esse personagem [...]. Na televisão você já chega e faz. Eu, por exemplo, tenho tanta experiência que estudo na minha casa e já visualizo a potencialidade da cena quando eu chego para gravar. Como quando [o trabalho] é com um diretor criativo, como agora que eu estou gravando com o Wolf [Maya]... Então ele só me dá a marcação, da marcação eu já criei em cima e ele nem falou mais nada. Ele deixou comigo porque já sabia que eu trouxe para ele uma criação e ele fez, como diretor, a viabilização disso. Não me acomodo nunca.
Que parcerias você guarda com carinho de trabalhos feitos na TV?
Osmar Prado - Ah, eu tenho inúmeras. O [Marcos] Schechtman, por exemplo, que é um amor de pessoa.
Trabalharam juntos agora pouco em Caminho das Índias, né?
Osmar Prado – Isso. O próprio Wolf Maya, que é um diretor de teatro. Ele conhece bem a ansiedade e as inseguranças do ator. Estou trabalhando com ele agora [em uma próxima série da Globo]. Gosto também do Papinha, o Rogério Gomes: fizemos Sinhá Moça, que foi maravilhoso.
A reapresentação está fazendo sucesso.
Osmar Prado - Uma homenagem que eu presto ao Papinha é pela coragem. Houve um entrevero entre mim e o Chico Anysio em uma das gravações. Coisa normal, que terminou logo em seguida, e a gente se abraçou. A imprensa quis fazer uma fofoca, falou que foi barraco, quiseram fazer uma coisa maior do que era. Nem Chico nem eu falamos nada [após a publicação], ficamos calados. Aí, no dia em que teve uma reunião dos barões [interpretados por ambos na novela] no escritório do meu personagem, eu disse “Senhor Everaldo [personagem de Chico], é uma honra recebê-lo em minha casa. Isto prova que nunca houve, e nem haverá, desentendimentos entre nós”. E ele respondeu: “Mas o povo inventa, barão. O povo inventa”. E aí nos cumprimentamos. E o Papinha comprou essa briga conosco e deixou a cena ir ao ar. Imagina, eu vou brigar com o Chico Anysio? Brigar com Chico Anysio é brigar com os deuses do teatro, né? Agora, em todo e qualquer elenco, seja de teatro e televisão, sempre há desentendimentos, porque as sensibilidades estão afloradas. Os problemas não são os desentendimentos, são os desdobramentos dos desentendimentos. Mas que geralmente resultam em fortalecimentos de amizades. Isso é o que tem que ser.
Quais foram seus papéis na TV, em termos de recepção do público, que fizeram a galera ir falar mais contigo na rua?
Osmar Prado - O Tabaco [de Roda de Fogo] e o Tião Galinha [de Renascer]. O Tião Galinha foi uma coisa linda porque era o porta-voz do autor. Benedito [Rui Barbosa] queria falar sobre a injustiça social, dos trabalhadores que saem do campo, que saem do Nordeste para vir para os grandes centros morrer de fome.
Como é sua vida online? Você tem Twitter, por exemplo?
Osmar Prado - Não, sou analfabeto digital [risos]. As minhas filhas até me cobram isso. Eu vejo e-mails, transmito mensagens, busco alguma coisa que eu queira ver no Youtube, mas não tenho Twitter.
Acha que a internet pode ser bem usada por um ator no trabalho?
Osmar Prado - É fascinante. O que você quiser, você entra e encontra na rede. Às vezes, eu quero ver uma interpretação de uma determinada música que eu estou estudando. Inclusive está por aí essa minha corrida [de moto] que eu fiz [em Interlagos]. Quando eu falo que participei de uma corrida em Interlagos e o sujeito não acredita, eu mando então ele conectar [risos]. E estou eu lá, a 270 km/h, na pista de Interlagos.
Quando começou essa sua paixão por moto?
Osmar Prado - Ah, começou aqui ó, esse aqui sou eu [aponta para um garotinho no porta-retrato, em uma foto preto e branco, ao lado de uma moto]. Meu pai já era motociclista, um bom motociclista. O irmão dele também era. Mas nós éramos pobres, então era comum comprar moto e não carro, porque carro era para rico.